Capítulo 6
Pesquisei na internet por festas a fantasia que aconteceriam hoje – as únicas que eu poderia ir devido ao meu corpo monstruoso. – e fiquei entre duas, uma que era relativamente perto daqui e uma mais ou menos perto da Portle, minha antiga escola. Como a festa perto de casa me parecia mais uma festa de Drag Queens velhas do que de adolescentes, escolhi a de perto de Portle. Com a ajuda de Noel e Maria fiz um manto grande e preto – com capuz – que esconderia meu rosto e me faria parecer uma sacerdotisa. Uma bem sombria. Amarrei o cabelo num rabo de cavalo como de costume e depois de jantar um assado com batatas muito bom, subi até meu quarto para me arrumar. Coloquei meu manto, passei maquiagem nos olhos e gloss nos lábios como eu costumava fazer quando era bonita. Só tentaria uma vez e se desse errado voltaria para o meu jardim. Comprei minha entrada para a festa pública pela internet.
Assim que cheguei aos pés da escada, Noel e Maria me esperavam.
– Muito bem. – aprovou Maria.
– Vai dar tudo certo. – Noel deu um soco de leve no meu ombro. Peguei a carteira que Maria tinha comprado para combinar com a minha fantasia e guardei a entrada.
– Só uma tentativa. – avisei, animada. Talvez desse certo. Quem sabe?
– Vá com calma, sim? O propósito é se socializar, não tentar fazer com que um garoto te ame no primeiro momento.
– Noel tem razão. Mas vá, divirta-se. Coisas inesperadas acontecem quando se menos espera.
Maria abriu a porta para mim. Um vento gelado entrou na casa. Robert estava lá com o carro a minha espera. Girei nos calcanhares e olhei para Noel e Maria, indecisa.
“Boa Sorte”, ela sussurrou enquanto Noel fez sinal de jóia com os polegares.
Respirei fundo e passei os pés pela soleira da porta, pensando:
Aí vamos nós.
A viagem demorou quase duas horas e meia, fazendo com que eu chegasse no local da festa á meia noite sendo que o evento começava as dez.
Saí do carro e ajeitei o manto e o capuz, escondendo o máximo da minha pelo possível. Tinha colocado luvas pretas até os cotovelos e por isso minhas mãos suavam.
Estava um verão quente.
Dei a minha entrada para a garota na porta vestida de enfermeira e me espantei por ela nem ter notado meu rosto.
Ah, certo. Tinha me esquecido que estava numa festa a fantasia e que minhas cicatrizes vermelhas, pretas e azuladas deveriam ser somente tatuagens.
O lugar estava apunhalado de gente, fios com bolas de luz coloridas e fracas sendo a única iluminação do lugar. A música alta era agitada. No fundo do salão as paredes eram de vidro com cascatas de água falsa e bancos amolfadados. Alguns casais usavam os bancos para se agarrar. Garçons usando smoking que os fazia parecer com pinguins andavam de um lado para o outro oferecendo bebidas e anotando pedidos.
– Ei cara! Finalmente te achei! – alguém cutucou minhas costas.
Virei-me franzindo a testa, confusa e me deparei com um garoto comum, loiro de olhos pretos dentes desalinhados vestido de pirata – uma cópia barata e mal feita de Johnny Depp em Piratas do Caribe.
– Opa! Confundi a sua fantasia com a do meu amigo. – se desculpou.
– Tudo bem. Hm... Capitão Jack Sparrow, certo? – tentei puxar assunto. Ele era um garoto, não era? Quem sabe fosse ele.
– Na mosca! Sério, desculpe mesmo por ter te confundido.
– Então seu amigo te deu um bolo? – nós dois balançamos o corpo um pouco enquanto falávamos. Era a primeira vez que eu conversava com um garoto da minha idade parecendo normal.
– Ele disse que ia chegar meia noite usando um manto preto, mas é, acho que ele me deu um bolo. Antes ele do que minha namorada.
Meu rosto caiu. Eu realmente achei que o primeiro garoto que eu visse na minha frente seria o garoto?
– Você tem namorada?
– Não. Eu me expressei mal. Quero dizer, é melhor levar um bolo do seu amigo do que de uma garota, não?
Assenti.
Um bep baixo soou.
– Opa! – ele puxou o celular do bolso da calça. Alguns segundos depois, virou o celular para mim.
NÃO PODEREI IR, FOI MAL. PROBLEMAS EM CASA.
– Viu? Bolo. – ele deu de ombros, como se não ligasse. – Você está esperando alguém?
– Não. – sorri da melhor forma que pude.
O garoto sorriu também, suas bochechas um pouco vermelhas.
– Então, qual é a das tatuagens? – perguntou, apontando para o meu rosto escondido no capuz.
Eu disse. “Tatuagens”.
– Hm... São falsas, claro. Pior que tatuagem de chiclete. – tudo bem, eu tinha exagerado.
– Mas ficou muito bom, parece que é coisa da sua pele mesmo. Você quer dançar essa? – uma música calma começou.
– Balancei a cabeça, aceitando.
Seus braços se ajeitaram na minha cintura e os meus abraçaram o seu pescoço durante toda a música.
Será que esse seria o garoto? O que quebraria a maldição?
– Venha cá. – ele sussurrou no meu pescoço.
Eu nem sabia o seu nome e não me importava. Era bom me sentir normal de novo. O garoto me puxou pela mão, levando-me até um dos bancos. Ele praticamente me sentou ali, empurrando minhas costas na pilastra atrás de nós. Nossos lábios se tocavam ferozmente.
Era bom parecer humana outra vez. Normal outra vez.
O garoto era bom, tinha pegada. A música rolava de fundo enquanto ele parecia me apalpar.
Sem que eu pudesse impedir, ele abaixou meu capuz, revelando que não somente minhas bochechas estavam “tatuadas” como todo o rosto e pescoço.
– Que diabos... – franziu o cenho. Comecei a puxar o capuz de volta mas ele segurou minha mão. – Não, espere. Porque tantas tatuagens? Elas... Elas me parecem tão... Reais. – com a mão livre ele tentou tocar uma das cicatrizes, mas eu virei o rosto. – Espera aí. – ele fincou as unhas com força nas costas da minha mão, e desse jeito, puxou a luva. No meio das cicatrizes, bem em cima de uma preta, um arranhão sangrava.
– Ai!
– Mas o que... – ele puxou minha mão. Olhei em pânico. – Não são tatuagens. É... É a sua... É a sua pele! – gaguejou. – Monstro!
– Suas feições eram de pavor.
– Eu preciso ir. – puxei a mão arranhada do seu aperto e saí correndo pelo salão enquanto o ouvia gritar: “Monstro”
Não parei de correr até passar pelas portas do local da festa e ter corrido dois quarteirões.
Entrei na estação de trem e peguei um metrô para voltar para casa.
Meu Deus, como eu fui burra! Não acredito que fui tola o suficiente para pensar que poderia ser normal, que acharia alguém que pudesse quebrar a maldição. Idiota!
Sentei no fundo do vagão. As pessoas olhavam para mim de forma atravessada, devido a minha roupa em pleno verão, um manto preto longo com capuz. Não duvido que alguns achavam que eu era uma delinquente. Por isso, ninguém mexeu comigo, nem sequer se sentou no mesmo banco que eu.
Segurei as lágrimas por todo o tempo que pude, apenas querendo deitar e chorar, ou quem sabe mais tarde cuidar das minhas plantas apesar de serem duas da manhã.
Maria abriu a porta ao me ouvir subindo os degraus da varanda. Ela sorriu amplamente e seus olhos estavam a espera, ansiosos por novidades boas. Ao ver sua expressão animada não consegui me conter, deixando as lágrimas virem.
– O que aconteceu?
– Eu nunca deveria ter saído de casa! Foi horrível...
Maria abriu os braços para mim. Afundei o rosto no seu ombro.
Eu era um monstro sem esperanças.
2 comentários:
Nossa...
Esse foi o melhor Capítulo até agora, na minha opinião.
Eu tambpem realmente pensei que iria dar certo com o garoto da festa. Quase chorei.
Se desse certo o resto da história ia dar errado.
To só esperando pra ver a sua reação nos outros. Teve um lá pro fim que eu chorei viu?
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