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Capítulo 4
A limusine parou em frente á uma casa de tijolos de cinco andares. Maria abriu a porta da casa e carregou minhas malas.
– Que horas minha mãe vai chegar? – perguntei, subindo as escadas para o terceiro andar.
A empregada abriu a porta e me deixou em um quarto tão grande quanto metade do apartamento no centro, de paredes verde-oliva e móveis de madeira. Pude ver um banheiro no fim do quarto.
– Responda! – praticamente gritei, seguindo-a até outro quarto no mesmo andar, uma sala com um home theater, vídeo-game e muitos DVDs. Maria colocou mais alguns filmes na prateleira e posicionou meu notebook na mesa de frente para uma janela ampla, fechada.
Finalmente, a idiota virou-se para mim.
– Ela não vai chegar. – sussurrou, calma e pesarosa.
– O quê?
– Sua mãe não vai vir. Sou só eu e seu tutor que vai chegar amanhã.
– O quê?!
Uma enorme fúria cresceu dentro de mim. Todos os DVDs voaram da estante direto ao chão.
– Como assim minha mãe não vai vir?!
– Por favor, fique calma. Sua mãe irá te visitar algum dia, eu acho.
– Ela me abandonou.
Eu era muito feia para ficar com minha mãe. Uma aberração.
Puxei meu celular da bolsa de mão e disquei os números, os dedos trêmulos.
– Mãe?
– Valerie? O que foi? Eu só tenho alguns minutos antes de entrar no ar.
– Você está cuidado da sua reputação?! – gritei, não mais calma. – Porque você me abandonou aqui?!
– Eu... Eu não te abandonei. – ela parecia serena.
– Sim, você me abandonou! Quer saber de uma coisa, mãe? Pare de fingir e assuma que você não vai vir! Ou melhor, faça-me um favor e vá cuidar da sua reputação já que sua filha não é importante! Não apareça aqui!
Como boa mãe, ela deveria tentar argumentar, dizer que de algum jeito eu tinha entendido errado e que ela viria.
A não ser pelo fato de que ela não era uma boa mãe.
– Tudo bem. – disse por fim, com um suspiro. – Maria e Noel, seu tutor, estarão aí para te ajudar com tudo.
– Eu não quero a ajuda de ninguém!
Como se alguém pudesse me ajudar.
Desliguei o telefone e me abaixei para ajudar Maria a recolher os DVDs e os jogos.
– Não precisa, senhora Valerie. Eu posso fazer isso.
Me perguntei quanto dinheiro minha mãe tinha pago para que Maria ficasse aqui comigo. Notei também que Maria não me olhava nos olhos.
Me joguei no sofá de couro, tentando não chorar.
– Você tem filhos?
– Desculpe, senhora?
– Você tem filhos? – perguntei um pouco mais alto dessa vez. Qual era o problema dela? Estava ficando surda?
– Sim senhora. Dois. Dora e Miguel.
– Quantos anos eles tem? – não sei por que insisti naquela conversa sobre pais e filhos.
– 16 e 13.
– Você os abandonou. – não era uma pergunta.
– Eu não os abandonei. Eu vim para os Estados Unidos para conseguir um bom trabalho. Ainda não consegui os Green Cards, mas não os abandonei. Se os tivesse abandonado, não teria uma dor no peito e não continuaria tentando trazê-los.
– Os abandonou. – sussurrei, imaginando como essa conversa seria se no lugar de Maria, fosse a minha mãe.
– Minha vida está arruinada! – coloquei a cabeça nas mãos.
– Sinto pena de você, senhora Valerie.
– Pena? – ri, um riso amargo. – Pena por quê? Pena por minha mãe ter me abandonado com a empregada ou pena pela minha monstruosidade? Pena por eu ser feia?
– Tenho pena pelo que tem dentro de você. Você é feia por dentro, que é onde importa. Tenho pena de que não enxergue isso e não possa mudar.
Xinguei alguns palavrões, levantando-me e indo para o quarto. Bati a porta e escondi o rosto nas mãos com cicatrizes, incapaz de segurar o choro.
Pena. Era tudo que eu precisava.
Na manhã seguinte, quando acordei, o anuário da escola estava debaixo do espelho de Trace, sempre virado. Aquele era o único espelho que se manteve inteiro. Peguei-o e delicadamente me vi nele, um monstro de cicatrizes em forma de árvore, olhos vermelhos e inchados de chorar.
– Queria ver minha mãe. – disse, sem ao menos saber por quê. Bem, desde já eu sentia falta dela, mesmo ela tendo me abandonado aqui, presa nessa casa gigante.
O meu reflexo no espelho pareceu cintilar, e de repente, invés de minha imagem, o espelho me mostrou minha mãe, andando de um lado á outro no apartamento.
– Andy, você não entende? É para hoje! – ela berrava no celular, como sempre.
– O que diabos... – sussurrei. Algo brilhou na moldura do espelho. Empurrei-o na direção do sol, a imagem de minha mãe desaparecendo e vi algumas palavras:
“O ESPELHO MOSTRA QUEM VOCÊ QUISER.”
Quem eu quiser? Então foi por isso que eu vi minha mãe?
– Mostre-me Honor. – pedi.
A imagem no espelho focou em Honor entrando no quarto dele e sentando em frente ao computador. Sua expressão se tornou pesarosa. A imagem andou até o computador, focando no site da escola, na comunidade dos alunos e num fórum: “Valerie está na reabilitação: Verdadeiro ou falso?”
Deixei o espelho na ponta da cama e me arrumei. A campainha tocou.
Coloquei o casaco e puxei o capuz até a altura dos olhos.
Na sala estava um homem alto que aparentava estar na casa dos 40.
– Quem é você?
– Michael Jackson. – ele sorriu amplamente. – Sou Noel Pierce, o tutor.
– Você realmente quer ficar aqui? – perguntei, parada a alguns metros dele. – Mesmo assim? – tirei o capuz e deixei-o olhar para mim. Ele também usava um casaco com capuz que cobria boa parte do seu rosto.
– Você ainda me quer como tutor, mesmo assim? – ele abaixou o capuz, revelando seu rosto. Um lado do seu rosto era normal, porém o outro... Estava queimado, com cicatrizes, bolhas e veias saltando. Ele parecia um monstro.
Assim como eu.
– Então, esse é o plano da minha mãe. Ela passou dos limites ao contratar uma pessoa com o rosto deformado como o meu para dar aulas para o monstro que é a filha dela! – gritei, voltando ao quarto e batendo a porta.
Não saí de lá até de tarde, quando morta de tédio, peguei o anuário e o espelho e subi até o quinto andar, planejando ficar sozinha.
[Continua...]
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